Crônica Gaiola Dourada

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Inspire, expire, sente, levante, sorria, chore, acorde, durma, ande, corra, caminhe, mas faça tudo, sabendo o que está e o motivo de estar fazendo. Viva em contato consigo.

Tudo o que ela havia sonhado ter na infância tinha extrapolado muito na sua adultez. Alta, delgada, ruiva, cabelos brilhantes, longos, cheio, sorriso largo estampado na face de boca carmim, cílios longos e olhos da cor do mar. _ Aqui paro me perguntando: Qual a cor do mar?

Respondo mentalmente: Depende. O dia dela, da Alva, esse era o seu nome, iniciava e lá estava seu amado  com um belo sorriso estampado no rosto. Alinda, sua secretária particular equilibrava uma bandeja   com delícias (suco de amora, dois crepes e um pequeno pedaço de queijo branco).

O aroma de café perfumava todo o ambiente do quarto. Alba faceira, espreguiçava-se, saboreava a companhia do amado, do saboroso café e o tempo que brincava nos ponteiros do relógio.

Todas as viagens, compras, lazer, estudos, patrimônio, todos os percursos a fazer o amado de Alva decidia e ela o acompanhava sem titubear. Passadas décadas e décadas Alva caminhava sozinha no parque pois o amado viajara; Curiosa sentiu desejo de adentrar em uma área cada vez mais e mais arborizada até que não sabia mais o caminho de volta.

Crendo que a buscariam, Alva sentou-se pondo-se a esperar. Escureceu e Alva apavorada encolheu-se toda, chorando copiosamente. Não tinha a menor ideia do que fazer.

Esgotada adormeceu e sonhou que estava correndo no bairro onde morava de pés descalços, cabelos esvoaçando, rodopiando com outras crianças.

Acordou sentindo-se diferente. Olhou ao redor prescrutando o entorno e viu que próximo tinha um pé de uma frutinha vermelha arroxeada. Diante da fome, não avaliou se seria ou não nociva. Levou-a a boca. Fechou os olhos esperando o resultado. Sentiu o sabor do suco que Alinda trazia todas as manhãs e desejou ficar ali por mais  um tempo.

Levantou-se e após 30 minutos de caminhada, encontrou uma casa. Tocou uma campainha, aguardou e percebeu que as vozes eram de um casal de idosos que se batiam de um lado para o outro para chegarem à porta.

Ao abrirem notou que a casa estava uma desorganização só e Alva desconhecia todo e qualquer processo ou procedimento para organizar coisas ou seja lá o que fosse. Assustada pensava no que fazer para resolver ou mesmo amenizar a confusão daquela casa.

Acompanhou por mais de vinte minutos o casal falando, gesticulando, se movimentando vagarosamente entre a sala, cozinha e varanda.  O tempo passou e ela queria muito, mas não entendia o que acontecia naquele lugar. No entanto, percebeu uma forma de viver diferente. Ele vestuário pastel e suspensórios queria chá, ela vestido colorido pedia um café;

As canecas eram todas diferentes, a pia estava cheia de pratos, a mesa com pães diversos, os pássaros petiscavam os grãozinhos espalhados. De repente ela parou, se desconectou e fixou seu olhar na lua que adentrava pela janela e lembrou-se de como sua vida era toda organizada, cronometrada, odorizada, previsível e o mais chocante!!! Que nada do que fazia parte do seu querer, da sua vontade estava presente.

Lágrimas rolaram dos seus olhos grandes da cor do mar, quando se deu conta naquele momento que sequer sabia voltar para a “sua casa – um lugar onde vivia alijada da realidade do mundo, de outras realidades ao menos” onde vivia desde quando se unira ao seu amado.

Era muito jovem quando conheceu “seu príncipe encantado” que a todo momento a protegia, amava, cuidava, orientava nas menores e maiores situações. A medida que o tempo passava já não conhecia qual era a sua vontade, o seu querer. Não sabia o que a divertia, o que a encantava e pouco a pouco sua essência adormeceu, permanecendo anestesiada até aquele momento. Esqueceu por todo esse tempo quem era, do que gostava e até do que queria.

Nesse Movimento piscou os olhos e viu que o casal estava parado diante dela, gesticulando e falando: acorda, acorda!!!  Volta para sua casa ou nos ajude. Não fique aí parada como uma estátua.

Alva precisava ocupar um lugar, tomar uma atitude para não se tornar um peso na vida do casal de idosos. Respondeu ok, ok, vou começar fazendo um chá e um café para que me contem como vieram parar aqui….

Sentaram e saborearam o sabor das bebidas que Alva preparara e com uma careta ambos murmuraram…ughhh que sabor estranho….Alva lembrou que não sabia a medida certa para as bebidas, deduzindo que tinha errado.

Mas…iniciaram a conversa e o casal relatou que chegaram ali depois de brigar com toda a família e para garantirem dias dignos nesse fim de trajetória nas suas vidas pois todos queriam determinar o que eles deviam ou não fazer.

Alva surpreendida pela decisão, determinação e ousadia do casal de dispensarem uma vida mais comoda e segura apenas para garantirem a prevalência da sua vontade. O casal explica que é extremamente importante resguardar a identidade enquanto se está no modo vivo, existindo.

Após algumas perguntas perceberam que Alva em nada dirigia a vida dela. Tudo que fazia era para, poe e com alguém.  Não encontrava sentido na vida dela. Os sonhos eram vários mas completamente desconectados, respirava e se realizava por meio de outras vidas. Vivia um vazio existencial.

O casal desenhou um plano para que  Alva encontrasse sentido na vida, iniciando por uma prática simples. Em uma mesa dia a dia ofertava a Alva livros, assuntos, sabores, odores e verificavam pacientemente o que ela apreciava, rejeitava ou exultava à medida que experimentava. Nas noites contavam histórias e ouviam histórias, ensinando a Alva a falar na primeira pessoa do singular (EU) pois quando ela falava parecia uma Artigo acadêmico, sempre na primeira pessoa do plural (NÓS).

E assim foi por um largo tempo. Alva esquecera da urgência de voltar para uma vida que não sabia ser dela, mas um dia ao acordar notou um movimento estranho e deparou-se com uma ambulância e profissionais de resgate. Olhava aturdida para todos os lados e tudo encontrava-se arrumado como deixara à noite. Não viu o casal. Perguntou aos prantos o que havia acontecido.

Os profissionais informaram que um casal de idosos informara que havia ali uma pessoa que precisava ser resgatada pois estava pronta para viver fora daquela casa. Alva entendeu que a pessoa era ela e que estava na hora de voltar, tendo sua vida nas suas mãos como aprendera no período que permaneceu com o casal: decidindo, escolhendo, refletindo e respeitando seu ritmo e estilo.

 

 

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