A passiva do metro

<> on March 28, 2011 in Lisbon, Portugal.

Metro é algo assim, um mundo novo que rasga a retina, movendo a iris alucinadamente como uma jogada de tênis…vão lá e vem cá. Do nada surge uma figura emblemática, fulgurosa, brilhante…caminhando a lentos passos, um de cada vez, movendo lentamente o pescoço, olhando demoradamente para os que passavam à sua direita, à sua esquerda.
Acelerada como sempre, me contive e curiosa parei para contemplar aquela pessoa de cabelos pretos corte a lá Cleópatra, olhos negros sorridentes…Aqui, da minha vida corrida pensei: como alguém podia no meio daquele furacão que é o metro na Consolação, próximo a Av. Paulista em São Paulo dar-se o privilégio de contemplar, experimentar a atenção focada? Como assim?
Se ela conseguia eu também conseguiria. Mas minha mente cobrava o de sempre: rapidez, passar pela vida sem saborear de verdade os momentos. Apenas passar a língua na farta mesa de sabores à disposição e correr como o Coelho do mundo de Alice em um país repleto de tudo menos de maravilhas.
O exercício tornava-se difícil mas valentemente insisti. O coração saindo do estado taquicárdico, a respiração sempre ofegante amainava, eu eu quase encostando na parede para ver a tal passar.
Vendo pelos olhos dela, nada se lhe escapava…a cor do batom, a gola da camisa, a cor do tênis, o ritmo, as angústias até.
Contemplar a vida, as pessoas, o ritmo delas, estabelecer empatia não é para qualquer um, mas para aquela pessoa a princípio vista possivelmente como passiva, inerte, é pura possibilidade.
Enxergar o que está para além é talento de poucos até porque esse conteúdo concorre em número, gênero e grau com os vários estímulos que se interpõem entre nossa iriz e nossa mente.
Falta-me ar, falta-me foco mas combato o bom combate e volto-me ainda para a aparente passiva do metro.
Ela caminha, não ela não caminha, ela sobrevoa suavemente pelas vidas no seu entorno com aquele sorriso enigmático, movimentando as ancas como se estivesse praticando a dança do ventre em câmera lenta, o colo proeminente marcava presença, fazendo seu papel d comissão de frente com altivez. Lembrei das escolas de Samba e do carnaval. Só eu mesma…rindo por dentro e embaralhando vários temas, sinapses e interlocução mental.
Se Freud não explicar, Jung certamente o fará.
Por fim…percebo quanto de vida perco, desperdiço as vezes pela aguda pressa de tudo, de todos, o nada que crio, a linha tênue, as distâncias que se avolumam entre meu ser e o viver e aprendo com aquela mulher, uma borboleta, pousando de del, em del, estabelecendo uma relação íntima e parcimoniosa com cada pétala de flor que pousa, colorida, alegre, esvoaçante, que vive o seu viver, vivendo de fato. E você, o que faz da sua vida?

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