Diário – Estagiária aos 50

III DIA
Estou de parabéns. Consegui acordar as 8:40. Mas como não sou de ferro fiquei na cama até 9:30. Iniciei o procedimentos de sair do quarto e ir até a cozinha preparar meu café. Tentei falar com minha família sem êxito. Lá são 5:30, imagina quem vai despertar?
Durante o café eu e David, angolano, conversamos bastante sobre a condição do estudante angolano em Portugal. Ele é um sujeito bem politizado e crítico. Não gosta de dizer idade, embora eu já saiba que tem 28 anos, disse ter 49. Talvez para me agradar, sabendo que tenho 50.
Conheci hoje a Dna Isabel, miúda que atua na governança da residência. Vesti as roupas para encarar o frio. Sai de lá, atravessei o parque que preciso dizer, ainda que com chuva muito lindo e bem cuidado mesmo. Me peguei pensando quando nós brasucas iríamos ter uma relação de amor e zelo com nosso patrimônio geográfico, estrutural e cultural?
Cheguei à Faculdade já quase próximo de meio dia. Prof. Estava a aplicar testes. Dirigi-me ao gabinete, onde conheci Marina e Luciana pernambucana que se apresenta como Geógrafa na linha humana. Ela está finalizando o doutoramento. Deu dicas bem legais sobre a Biblioteca Nacional e a cidade aonde mora, Cintra.
Veio com marido e filho e conversou sobre os ganhos que tiveram em segurança, educação e qualidade de vida, embora tenham que economizar mais. Em Cintra, 40 minutos da Universidade, os alugueis são mais baratos.
Bem, hora de estudar…
Opsss, dois intervalos para um pingado 0,49 euros foi meu custo de hoje. Noventa e oito cents de euros, muita água que trouxe e beliscos que tinha no gabinete do professor (pão com queijo e chouriço e bombom da Garoto, isso mesmo da terrinha).
Desmontei meu QG de estudos sem internet. Investi toda a tarde em organizar o material coletado por Capítulo da dissertação. Vi o que precisava melhorar no capítulo I e o que me possibilitaria uma melhor construção do capítulo II. Separei as fotos que fui sacando por dia enfim…aproveitei para dar uma organizada e faxina geral nas pastas e arquivos do note.
Na caminhada de volta, já sabia melhor o caminho, otimizei o percurso e investi exatos 25 minutos da Universidade à residência. Pronto garanti uma atividade física de 50 minutos em caminhada não horizontalizada em um bom ritmo.
Chegando na residência por volta das seis e meia da tarde, pouca chuva, muito frio, vi que acontecia uma comemoração, mas não me detive. Estava cansada. Subi os degraus ainda com as energias que me sobravam. Acomodei minha bolsa nada leve e dirigi-me à cozinha (entrei na escala da limpeza-vou debutar dias 9 e 10 de abril). Ali fui surpreendida com duas enormes bandejas de salgados e doces (pastel de Belém e empadinhas de coco queimado).
Rsssss, e haja calorias para gastar amanhã. Conversei no zap zap até tarde e o sono tardou a chegar pois hoje não consegui ver as caras lindas nem da minha filha, tampouco do meu marido. Internet lenta, skype não conectou de forma alguma.
Sai do quarto fui cumprimentar BioDo, colega nigeriano e combinamos café da manhã as nine o’clock. Ainda conversamos sobre costumes da Nigéria e Brasil, em inglês. Gastando…meus professores Gustavo, Júnior e Sandler do Centro de Línguas UFES se orgulhariam dessa aluna.
Meia noite…arrumo a roupa do dia seguinte, escovo os dentes, deito e fico vigiando o teto, as sombras até adormecer.

IV DIA
Uhuhuu…começando a adaptação. Hoje me superei. Até o sol se levantou para me receber.
Despertei às 7hs da matina, disposta. Espreguicei todas as partes desse corpo de 50, estralando os ossinhos, esticando os músculos trabalhados no NUPEM com Prof Sérgio e Cucha carinhosos que só.
Fui a casa de banho (rsrsrsrsrs), não é longe do meu quarto, é dentro e saindo da minha cama, viro a direita e pronto, rsrsrsrsrs. Vocês estavam pensando que era uma casinhola fora do prédio não é? Não, não é! É um belo banheiro.
Ligo o chuveiro para aquecer a água, excepcionalmente, dado o frio daqui. Arrumo a bolsa, separo os livros, cadernos que levarei hoje. Saco as roupas e me deleito com a água escorrendo pelo meu pescoço, costas, barriga tanquinho e coxas. Para não perder o hábito lavo a calcinha e lembro que esse é um diário de estudante e não de contos eróticos. Rsrsrsrsrsrsrsrs.
A combinação da calça preta com bege aprovada sigo à cozinha para preparar meu desjejum. Dois ovos mexidos, queijo e salame defumado espanhol. Uma caneca de leite quente, café solúvel, uma banana e um copo de sumo de laranja com maracujá. Visse que almoço. Minha próxima refeição acontecerá após as 15hs, portanto…preciso de reservas.
Lavo tudo, cumprimento David, vejo de esguelha um pouco do programa brasileiro Boa Forma e enfim, saio caminhando com o sol brilhando, o frio me abraçando e as nuvens pesadas prometendo.
Mais uma vez de tantas que ainda repetirei, atravesso o parque. Hoje evito a passarela, atravesso a pista, contemplo as gotículas de água percorrendo suavemente a superfície dos caules e folhas.
Sorri e alegre pensei: Estou aqui!
Rememorei na caminhada meus 20 e poucos anos quando tentei a Universidade Estadual, no entanto por ser o curso período integral não pude realizar a inscrição, parti então para um Faculdade particular.
Cursei um mestrado profissional na Espanha e o gosto de quero mais ficou, mas intentava dessa vez cursar na Federal do ES.
Depois de certa dificuldade para me inserir em uma área e após três provas, duas reprovações, ingressei na História.
Na Psicologia não dominava nem coadunava com o discurso da Social. Faço parte do grupo da filha bastarda, a psicologia organizacional enjeitada por servir aos capitalistas e coincidentemente empregar um quantitativo significativo de profissionais do comportamento.
Na Educação não me preparei para a entrevista, versando sobre autores distantes da realidade e interesse local.
Assim após essa batalha de áreas, não encontrando ressonância ou acolhimento, decidi gostar de quem gosta de mim.
Vivenciei três disciplinas na História que me sequestraram positivamente minha mente e minha alma. Professores talentosos me guiaram por caminhos áridos e extremamente interessantes, tomando toda minha atenção e interesse. Impossível não admirar o rico trabalho do historiador e muitas vezes nas aulas me vi pensando a Psicologia dialogando com a História de forma entusiasta, trocando pormenores, apropriando-se de forma diferenciada da história do homem, do seu comportamento e atitudes. Não conseguia separar o comportamento da cena da história e assim fui tornando-me uma históloga (historiadora-psicóloga).
Trabalho hoje com duas profissionais (orientadora e co-orientadora) competentes, generosas na troca do saber e identificação de oportunidades. Assim diante de uma oportunidade para uma seleção com vistas a um estágio na universidade de Lisboa, tendo conversado com minha família que deu o aval, parti para o preenchimento da papelada e produção do que seria necessário para concorrer a tal vaga.
Após uma primeira aprovação, resultado cancelado por ilegibilidade, uma espera de mais três meses, enfim a aprovação sai e me vejo na lista após minha torcida (marido e filha) baixarem a planilha, tornou-me uma Estagiária para a Europa na plenitude dos 50 anos de vida.
Ocorreu-me mentalmente quantas mulheres tiveram essa mesma oportunidade e se alcançam quantas se desapegam para aproveitarem?
Tudo isso, no período da Defesa de uma dissertação sobre Imigração Cigana no IGOT entremeando com as observações coletadas na explanação da candidata, da banca e interferências da minha mente e dedos que teimam em teclar essas palavras. Aqui meio dia, no Brasil 8 hs da manhã.
Estudei toda a tarde e noite. Cansada aos pingos de sono 23:48!
V DIA
Uma rainha…desperta. Apesar de nublado as 7hs despertei e olhei ao redor. A companheira que não é petista dormia. Esforcei-me para não fazer ruídos.
Peguei note, caderno e demais acessórios e determinada iniciei as pendências ainda do Brasil para resolver.
Foram exatas 6 horas e 30 minutos de imersão total, sem uma palavra, uma caminhada, uma mastigada. Agora uma e meia da tarde aqui e nove da manhã aí é que colocarei minha linda face diante da rua, claro depois que tratar da higiene matinal ou tardal como queiram.
Aproveitarei o dia de hoje para almoçar de verdade. As 14hs inicia o horário de almoço. Tenho 30 minutos para me organizar e sair.
Destino após o almoço: Universidade para um alô e conhecer a Biblioteca Nacional.

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