Aos regidos por Marte…

Iluminados, alegres, valentes, bravos…metidos até a tampa do cérebro nos sonhos que são inúmeros. Repletos de planos: A, B, C, D…até Z.

Movimentam o espaço onde chegam, fazem todos se deslocarem para cá, para lá. Dá pitaco aqui, ali, acolá. Quem suporta?

No meu universo tenho o privilégio de ter uma tia, chamada Luíza, absolutamente intragável de alegre, bonita, luminosa, com corpinho de 15 e sorriso dos felizes. Quando a vi triste? Algumas vezes, mas ela jamais aceitou de bom grado ou admitiu. Enxergava pela sombra dos olhos, pela profundidade das olheiras, mas jamais pelos seus lábios que teimavam, nestas ocasiões, sorrir escancaradamente.

No aniversário dela, aos 25 de março junto ao de tantas outras pessoas que tenho profundo carinho, tantos poderiam ser o presente, mas para essa jovem regida por Marte busquei na história dela, algo que não a vi ter.

As minhas memórias trazem imagens: eu bebê, ela jovenzinha de cabelos amarrados em um rabo de cavalo, com pernas cruzadas na altura da panturrilha, assentada no braço da cadeira.

Um aparte para destacar a riqueza do nosso idioma tão cheio de símbolos, palavras dúbias e metáforas: amarrados, rabo de cavalo, cruzadas, braços de cadeiras…fascinante!

Mas, voltando à minha tia, poderia ser uma viagem à Europa, um apartamento, uma bicicleta modelo 1960 ou o anel de formatura ouro com ametista pois logo, logo ela graduará em Pedagogia. Pensei, repensei e decidi por algo inusitado: uma boneca de pano Frida Kahlo (feita por Bárbara Borges de Porto Alegre, uma filha que a vida me concedeu pelas mãos de Deus).

Voltando a boneca estilosa e cheia de personalidade no olhar, tal qual Frida ou minha tia que dribla os eventos pesados da vida com ironia e sorrisos.

Desde pirralha, ao visitar a casa de recém casada da tia Luíza,  no Pontal, inebriava-me com o cheiro das iguarias e me deleitava com sabores únicos. Neste lugar jamais vi nenhuma menção a sua infância e à medida que crescia em idade (pois em tamanho não avancei muito), me perguntava como havia sido a infância da tia Lulu (Maria Luíza)? Os vestígios, indícios, pistas nada me diziam.

E eu como lunar em Marte, intrometida mesmo, compreendi que uma boneca de pano seria um presente representativo da infância não vivida, ou vivida focada nas responsabilidades de aprender, entender, abdicar, adaptar-se à saudade, a falta do colo materno, do convívio com os irmãos e irmãs, a pequena de dentes grandes que ansiava fazer parte importante do universo de onde ela tinha sido retirada dos 7 aos 12 anos. A psicologia diria que fase essencial para o delineamento das emoções e sentimentos. Ela cortou, alinhavou e costurou do jeito que era possível e ainda hoje arremata e amealha frutos desta escolha.

Ela tem superado com valentia os obstáculos externos e sobretudo os internos, os que nos amarram e puxam até o fundo do nosso ser. Penso que a complexidade está em enfrentar tais fantasmas, os que se escondem no fundo da nossa alma…tão amedrontadores, ameaçadores e envolventes. Tão envolventes que levam inúmeras pessoas ao precipício do suicídio.

Não os regidos em Marte, pois estes são briguentos, irônicos, depreendem energia para cada uma das suas batalhas.

Frida, Aírton Sena que aniversaria hoje (1/04) e Luíza não adotaram nem adotam postura diferente. Enfrentam, rasgam seus sonhos nos ouvidos dos outros e quem quiser de bom grado cooperar, que cooperem, problema deles (as). Seguem adiante com o olhar manso, profundo e confrontativo. Mostrando que a pista tem pontos de ultrapassagem sim senhor, como Sena fez, contrariando especialistas várias vezes.

Vivem o calor e a luz do sol, o fazer com alegria, profundidade e de forma marota, como toda boa criança que leva um não dos pais ao encostar o dedinho na tomada elétrica e quando os pais o encaram, vagarosamente levam o dedinho na direção da tomada para se divertirem com a agonia dos pais.

Regidos por Marte…pela vida, pela luz, pela coragem e ousadia. Estes são Frida, Sena e minha amada tia Luíza.