Quinta, penúltimo dia em Lisboa antes de Paris. Programação: Biblioteca, biblioteca, entrega final de inventários, leitura, entregar cartão de estudante do IGOT, pegar os certificados no Centro de História e almoçar com os Investigadores e meu Supervisor de estágio e Lisboa (UL) Prof Jorge Malheiros.
Sexta amanhece chovendo. Preciso colocar agasalho. Sigo ainda cedo para a Fundação Gulbenkian. Hoje um autor que estudei sobremaneira quando da prova do mestrado em 2012, protagoniza meu último seminário. Chama-se Roger Chartier.
O dia transcorre lindo, a palestra de uma hora é excelente sobre Escrita e Cultura. As comunicações se sucedem de igual forma e converso com o prof. Chartier sobre sua fala e sugiro que tiremos uma foto. Digo que ele vai para o Brasil que já conhece, pois trabalhou junto a algumas Universidades da boa terra.
Almoço uma boa feijoada de Trás dos Montes e me farto. Por hoje creio ser pouco provavel fazer outra refeição (rsrsrsrsrs).
Dormir é até difícil diante de tanta expectativa. Mais um sonho planejado a realizar. Do metro passo no Alvalaxia pois certamente uma mala menor será necessária para a viagem. Aproveito e compro tudo que vou precisar e mais a mala uma vez que encontro algo adequado para o que preciso.
Chego na residência, cumprimento os bons colegas, faço meu lanche e sigo para meus afazeres. Organizo todo o quarto. Ponho roupas de cama para lavar, as malas sobre a cama e separo atentamente o que levarei. Primeiro arrumo a mala que ficará pronta para o embarque de retorno. Depois passo as roupas que levarei e arrumo lentamente. Uma coisa e outra me fazem dormir às 3 da manhã, com tudo devidamente encaminhado.
Sábado, acordo bem, disposta. Repasso mentalmente o que posso ter esquecido, mas tudo está ok. Cuido do cabelo, das unhas, pele, releio metade do capítulo do livro de Hart. Faço um lanche e as 12h sigo meu rumo.
Chego bem adiantada na Estação Oriente. Sim, decidi ir de autocarro. De avião e trem a passagem para estudante que sou tornou-se inviável. Além disso estou certa de que a experiência será útil face a proposta dessa nossa conversa.
No embarque pessoas de tudo que é tipo e lugar. Fico pensando na bagunça que será o percurso. Ai…ai…suspiro.
A atendente da Estação pede que leve uma mala para ela e gentilmente me recuso. Deus que me livre. Já não sou mais criança tampouco inocente.
Observo toda a dinâmica do embarque. O motorista fala sem medo e objetivamente. O de comer no outro lado Sra. Fala para uma passageira com 02 bolsas de vasilhames de comida que viaja com a família. Quando entro pergunta se carrego o de comer. Mostro a garrafa de água, suco e o biscoito de sal. Ele permite que entre. Não tem lugar marcado. Chego, escolho ao lado do motorista a poltrona 9, como sempre.
Aguardo a finalização do embarque a partida e a mensagem introdutória. Avisa ao passageiro que deverá usar o cinto de segurança sob pena de pagar 90 euros, bem como usar sacolinhas brancas que tem em todas as cadeiras sob pena de sendo encontrado lixo sob a cadeira o pagamento é de 180 euros. Pergunto a um vizinho se funciona. Ele acena positivamente com convicção.
A viagem começa as 14:10. Autocarro da Eurolines, 02 andares, ar condicionado e casa de banho. Assento feito para na próxima irmos de avião. A coluna fica bem ajustada.
Penso…é…mais uma etapa da viagem se concretizando. Um dia por vez, uma tarefa por vez, várias metas sendo concluídas. Mas sempre uma por vez como tem que ser.
A ambiciosa agenda que trouxe a Lisboa, ficando para trás com 01 ou 02 ítens sem alcançar mas por que priorizei fazeres que surgiu aqui e seria importante a experiência. Dos livros que trouxe apenas dois não foram concluídos, mas em substituição li os que peguei na biblioteca, na internet e enfim todo material que fui angariando aqui.
Nesse curto espaço de tempo conheci boas pessoas, cujo acolhimento foi excepcional.
A paisagem começa a passar e começa minha aventura de 25 horas (Lisboa-Paris).
15:40 parada em Fátima para embarque. Um casal maduro fica separado, pois, não tem mais dois lugares. Troco com eles. Um gentil senhor (Antônio Pereira) aponta onde tem lugares desocupados para onde sigo (últimas poltronas do autocarro). Ele aproveita e trança uma boa conversa comigo. Explica que vive em França e hoje reformado regularmente visita parentes em Fátima. Estava levando o aparelho de apneia para calibrar, pois recebe do governo o valor que pagaria.
Próxima parada, Leiria aonde mora o amigo da minha amiga irmã querida Margarete. A cidade está em festa e é bonita. Foge ao padrão de modernidade entremeada pela antiguidade, o que produz um cenário bem interessante.
17hs novo embarque em Pombal. Senta na poltrona atrás uma Sra. baixinha que repete a mesma frase pelo menos três vezes com sotaque português bem acentuado para o marido que arrisco ter algum problema auditivo: O quê? Ouvisteeee?
Ao lado do casal, dois gajos conversando sobre remuneração e trabalho em Paris e a cada palavra um deles (falando muito rápido) repete carai, carai, carai…
Pergunto ao Sr. Antônio o que significa essa repetição de palavras e ele meio sem jeito responde que é uma forma torpe de falar. Mas me orienta a não repetir.
17h 30m embarque em Coimbra. Continuo sozinha na minha poltrona…O cenário no interior de Portugal é lindo, colorido. Muito verde, plantações sem fim e bem cuidadas.
19h sol alto. Muitas pedras surgem, pré anunciando a fronteira da Espanha, imagino. Erro profundamente. Está longe.
Valverde Nandute, N.S.Conceição…ao longe vejo o trilho por onde segue o Comboio. Converso com o casal sentado atrás Dna Albertina e o marido (fico sem saber o nome dele. Ela fala pelos dois), narra que ele anda muito doente e que vivem em Paris. Mudou ainda recém casada e seu casal de filhos nasceu francês. Foi visitar a família e trabalha muito em casa, inclusive ajudando o marido com controles financeiro da sua atividade na empresa. Me pergunta o que faço aqui. Quando respondo que estudo, os olhos dela brilham e me parabeniza. Cuidadosa e discretamente narra que tinha péssima impressão da mulher brasileira que somente vinha tomar marido dos outros, mas vê que muitas agora vêm para estudar. E isso é bom.
Energia solar e eólica está presentes em toda extensão da autoestrada. Vê-se que há forte investimento nessas duas fontes.
Placa de peaje (pedágio) 0,50 cêntimos de Euros (R$ 1,50) em uma autoestrada impecável fronteira com Espanha.
20h parada para o jantar por 30 min já em terras espanholas, na Ciudade Rodrigo fronteira com Fuentes de Oñoro – Portugal. Curiosa fico observando aonde o povo vai se acomodar para comer. E me surpreendo. As pessoas pegam suas bolsas no lado refrigerado do ônibus que funciona como uma grande nevera (geladeira) e partem para o restaurante. Lá o funcionário já habituado esquenta os vasilhames um a um e pouco a pouco as mesas são preenchidas com as pessoas que viajam e tranquilamente todos se alimentam. Peço licença ao Sr. Antônio, sento e me farto da deliciosa sande com jamón serrano e queso, bebericando o suco e trocando ideias finalizamos o jantar.
Todos tranquilamente retornam aos seus assentos. O autocarro segue singrando a Espanha.
A paisagem muda. Plantações e plantações de azinheira – árvore parecida com o Carvalho (Lenda sobre Franco (Espanha) e Salazar (Portugal) – vale a pena dar uma olhadinha no tio google.
01:30 parada na garagem para colocar gasola (combustível). Caminho um pouco junto ao frio cavalheiro da Espanha. Vou a casa de banho. No retorno seu Antônio oferece um café. Aceito de bom grado já retornando ao autocarro.
Dna Albertina e o marido e os rapazes que xingam a cada palavra descansam a garganta.
Varandas de muitas flores, uma forte batida policial passeiam diante do meu olhar na madrugada espanhola.
Ao deitar (ainda sozinha), lembrei então de quando viajava com minha então pequenina filha de ônibus e ela chorava insistentemente, empurrando-me com os pezinhos. Sai das duas cadeiras que comprara e ela esticou-se, dormindo com os anjos. Eu joguei uma colcha entre as cadeiras e encostei por ali para que ela seguisse bem…
Naquele dia jurei que jamais viajaria de ônibus novamente. Olha eu aqui…deitada, dessa vez nas cadeiras.
Dormi, acordei, passou um filme e quando enfim abri os olhos as 3:15 da madrugada li uma placa (Reservé Telepeage), pronto estávamos em solo francês.
3:50 madrugada, acaba meu luxo. Outro ônibus está quebrado na estrada e acolhe algumas pessoas. Ganho uma vizinha, portuguesa esbaforida que repete sem parar estou mal disposta, se mexe e exclama: Ah pá, ah pá, ah pá. Não me incomoda em nada. Lembro quantas horas pude descansar estirada, claro que em função do meu tamanho enorme.
Procuro saber o nome da vizinha e para onde vai. Isabel e segue Bordeaux. Chegando ela se despede gentilmente e se desculpa por ter incomodado tanto. Devolvo um sorriso e me despeço respondendo que não foi incomodo nenhum.
O grupo é renovado. Muitas pessoas partem outras tomam seus assentos e partimos. Agora o grupo francês predomina e a musica do idioma acalenta meus ouvidos. Sondo meu corpo e os 50 anos de bom uso se faz presente. As pernas ligeiramente dormentes (circulação), a coluna reclama. Posso novamente estirar esse corpo de 1.53.
8:40 parada para o pequeno almoço (petit dejuné). O motorista avisa que dali em diante a parada é na Gallieni em Paris.
Observo a quantidade de pessoas maduras viajando. Cabeças brancas, andar mais lento, olhos brilhando.
Após essa parada dormi profundamente por quase duas horas. Retomei a leitura dos meus estudos. As paisagens francesas roubavam-me do livro a todo momento.
Dna Albertina animadérrima conversava com o marido. Repentinamente levantou-se com uma sacola branca, passando a recolher a gorjeta do chofer (são dois). Consegue 30 Euros e divide 15 para cada. Pergunto se é habitual. Ela responde que sim, continuando a conversa animada comigo.
Todas as placas anunciam a chegada a Paris. Após fugir da autoestrada por ter ocorrido um acidente, as 15h adentramos Paris.
Encantada evitei perder todo e qualquer detalhe (importante segundo Roberto Carlos no que concordo com ele).
Agora estudante de intercâmbio em Paris. Desafio: encontrar minha casa (ma Maison) e ma famille (família).
Saio da Gare (garagem) Galienni, corpo já refeito e disposto. Sigo as placas. Adentro o metro e sigo as instruções do Gabriel (Accord SP).
As 16:30 de domingo estou diante do apartamento. Toco a campainha. Uma mulher ruiva, delgada, sorridente e elegante abre a porta e fala como uma cantiga: BIENVENU Retribuo o sorriso e ela me apresenta o marido Giuseppe (José), italiano.